quarta-feira, 17 de junho de 2015

É POSSÍVEL A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA SEM A DA PESSOA FÍSICA COAUTORA?

Certamente você já ouviu falar sobre a possibilidade de imputação penal da pessoa jurídica nos delitos contra o meio ambiente.

E até já deve ter pensado que parece meio ilógico e difícil de compreender uma empresa praticando um crime. 

Como aferir a "vontade" da empresa? 

Seria útil essa penalização ? Afinal, não se pode “prender” uma pessoa jurídica.

Resultado de imagem para crime empresaApesar de questionável a utilidade de tal penalização e também das alterações substanciais na teoria do delito, principalmente acerca da culpabilidade das pessoas jurídicas, deixaremos de lado tais questionamentos, afinal, a determinação legal de tal penalização parte da própria Constituição Federal, que a previu no artigo 225 § 3º. Assim, a Lei e doutrina que se adaptem.
  
Nesse contexto, veio a Lei 9605/98 e no artigo 3º estabeleceu que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

E no parágrafo único do mesmo artigo 3º, complementou: “a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato”.

Daí surge a dúvida: A Pessoa jurídica deverá ser responsabilizada conjuntamente com a pessoa física, ou seriam possíveis apenações diferenciadas?


A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, especializada em matéria penal, estabeleceu nos últimos anos uma linha jurisprudencial clara acerca do assunto.

No entendimento de tal órgão julgador, a responsabilização penal da pessoa jurídica por crime ambiental acompanha a imputação de uma ou mais pessoas físicas que, supostamente, conduziram a empresa ao cometimento do delito ou, sabendo de tal condução, e em poder de fazê-lo, não impediu a prática tipificada, conforme a Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal Nº 9.605/1998).

Nas palavras do Ministro Jorge Muzzi, “pessoa jurídica, a qual, por se tratar de sujeito de direitos e obrigações, e por não deter vontade própria, atua sempre por representação de uma ou mais pessoas naturais.” (STJ HC 217.229 RS).

A responsabilização penal de gestores em concurso com a PJ depende de comprovação do nexo causal entre a conduta destes – ativa ou omissiva – e o dano ambiental, sob o risco de admitir-se a responsabilização penal objetiva, ou seja, a imputação criminal de pessoa física ainda que na ausência de dolo ou culpa, em clara violação ao Art. 5º, XXXIX da CF/88.

Conforme a Ministra Laurita Vaz,“O simples fato de a Recorrente (pessoa física) figurar como sócia-gerente de uma pessoa jurídica não autoriza a instauração de processo criminal por crime contra o meio ambiente, se não restar minimamente comprovado o vínculo com a conduta criminosa, sob pena de se reconhecer impropriamente a responsabilidade penal objetiva”. (STJ RHC 34957 / PA).

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Acre, no Habeas Corpus para trancamento de ação penal nº 0002184-40.2015.814.0000, arquivou, sob o fundamento de constrangimento ilegal por de falta de justa causa no prosseguimento da ação penal, um processo contra pessoa física, proprietário de empresa causadora de dano ambiental.

Em março de 2015, o Ministério Público do Acre denunciou Alzete Empreendimento Imobiliário Ltda e seu proprietário, Gisandro Gil, por despejo irregular de resíduos sólidos em área de proteção ambiental. 

O Tribunal arquivou o processo contra Gilsandro, visto não ter restado cabalmente demonstrada a sua influência na consumação do delito.

Em tal julgamento o TJ/AC, concluiu que:

1 – É cediço na jurisprudência pátria que a simples condição de sócio/administrador de determinada pessoa jurídica não é suficiente para justificar a deflagração de uma ação penal, pois o Direito Penal pátrio repele a chamada responsabilidade penal objetiva;

2 – Nos termos do artigo 41 do Código de Processo Penal, a denúncia deve descrever perfeitamente a conduta típica e demonstrar uma mínima relação de causa e efeito entre a conduta do paciente e os fatos narrados na denúncia, permitindo ao denunciado o exercício da ampla defesa e do contraditório;

3 - A imputação, da forma como foi feita, representa a imposição de indevido ônus do processo ao paciente, à vista da ausência da descrição de todos os elementos necessários à responsabilização penal pelo crime previsto no art. 54, caput da Lei nº 9.605/98;

4 - Ordem de habeas corpus concedida para trancar a ação penal apenas em relação ao paciente em face do reconhecimento da inépcia da denúncia, sem prejuízo de que outra seja oferecida, desde que preenchidas as exigências legais.

Vê-se que o entendimento do STJ permanece majoritário na jurisprudência brasileira e podemos afirmar que também assim é na doutrina pátria.

Ocorre, porém, que não ganhou ainda dimensão uma decisão do Supremo Tribunal Federal – STF, de 30 de outubro de 2014, da PJ figurar sozinha no polo passivo da ação penal.

Trata-se do RE 548.181, onde a Corte constitucional rompeu a linha jurisprudencial majoritária. 

Em decorrência de vazamento de óleo, fora movida ação penal contra a Petrobrás S/A, seu presidente à época – Henri Philippe Reichstul – e o superintendente da unidade subsidiária na qual ocorreu o acidente, Luiz Eduardo Valente Moreira, por prática poluição omissiva imprópria culposa, em tipo previsto na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9605/1998).

Durante o trâmite no TRF-4, o ex-presidente conseguiu Habeas Corpus (STF HC 83.554-6 PR) em seu favor, sendo determinada sua exclusão do polo passivo por ausência de comprovação de que sua conduta, enquanto dirigente, houvesse levado ao acidente.

O caso chegou ao STJ, onde foi concedido HC ao ex-superintendente sob a mesma tese. 

Com a exclusão dos dois funcionários, o STJ determinou o trancamento da ação penal com base na jurisprudência da casa, alegando ser imprescindível o condicionamento de ação penal contra a pessoa jurídica à persecução simultânea contra pessoa física.

O caso foi para o Supremo Tribunal Federal que, em julgamento de Recurso Extraordinário, a Primeira Turma, pelo placar de 3 X 2, decidiu pela não prescrição de ação penal, permitindo que a Petrobrás S/A figurasse sozinha no polo passivo da ação.

A relatora, Ministra Rosa Weber, argumentou que “as organizações corporativas complexas da atualidade se caracterizam pela descentralização e distribuição de atribuições e responsabilidades, sendo inerentes, a esta realidade, as dificuldades para imputar o fato ilícito a uma pessoa concreta.”

No seu entendimento, a aplicação do art. 225, §3º da CF/88 não deve ser restrito às pessoas físicas, sob pena de permitir a impunidade dos crimes cometidos por grandes corporações, nas quais estão diluídas as competências e processos decisórios de modo que, em determinadas situações, é verdadeiramente impossível que se aponte um único agente a ser penalmente responsabilizado.

Nos termos da relatora, “em não raras oportunidades, as responsabilidades internas pelo fato estarão diluídas ou parcializadas de tal modo que não permitirão a imputação de responsabilidade penal individual”.

Conclusão:
  • A Jurisprudência majoritária nos Tribunais de Justiça do Brasil, bem como no Superior Tribunal de Justiça – STJ, é de que a responsabilização penal da pessoa jurídica por crime ambiental deve, necessariamente, acompanhar a imputação da pessoa física que, supostamente, conduziu a empresa ao cometimento do delito ou, sabendo de tal condução, e em poder de fazê-lo, não impediu a prática do ato criminoso.
  • Já para o Supremo Tribunal Federal – STF, em decisão isolada (e divergente), a pessoa jurídica pode, sozinha, figurar como autora de crime ambiental.


Pelo visto, a dúvida ainda persiste, vejamos o que o futuro nos reserva... 

Grande abraço,

JOSÉ ROBERTO SANCHES

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