quarta-feira, 19 de novembro de 2014

A IMPRESCRITIBILIDADE NA REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL

A 2ª turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, em votação unânime, publicada em 17 de novembro de 2014,  ratificou o entendimento de que a ação de reparação de dano ambiental imprescritível (AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.421.163-SP(2013⁄0265458-3).



A PRESCRIÇÃO

 O termo prescrição vem da palavra latina praescriptio, derivada do verbo praescribere, que significa "escrever antes", remontando às ações temporárias do direito romano.

É clássica a definição elaborada por Clóvis Bevilácqua, em sua obra "Teoria Geral do Direito Civil":  a “Prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em conseqüência do não-uso delas, durante um determinado espaço de tempo.”

Outro jurista que definiu o instituto foi foi Caio Mário da Silva Pereira, em "Instituições de Direito Civil. Vol 01: “prescrição é o modo pelo qual se extingue um direito (não apenas a ação) pela inércia do titular durante certo lapso de tempo.”

Nas definições acima, verificava-se uma notória controvérsia, se a prescrição ocorre sobre o direito ou sobre a ação.

Após 2002, tal dúvida foi amainada pelo Código Civil, que prevê no artigo  art. 189, que  “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.”. Entendeu o legislador, sem vacilar, que a prescrição fulmina a pretensão e não o direito em si.

Superada a controvérsia sobre o que a prescrição extingue, avancemos para analisar a possibilidade de haver ações imprescritíveis.


O CRITÉRIO CIENTÍFICO DIFERENCIADOR
Sobre o tema, em 1.961, Agnelo Amorim Filho, estabeleceu critérios científicos e detalhados para diferenciar as ações prescritíveis das imprescritíveis(disponível aqui).

Valendo-se das lições de Chiovenda, o citado autor, estebeleceu a seguinte classificação:  

1ª) - Ações sujeitas à prescrição (perta da pretensão): todas as ações condenatórias, e somente elas.

2ª) Ações sujeitas à decadência (perda do direito): as ações constitutivas que têm prazo especial de exercício fixado em lei.

3ª) - Ações imprescritíveis (perpétuas):

a)  as ações constitutivas que não têm prazo especial de exercício fixado em lei;

b)  todas as ações declaratórias.

O entendimento sobre a prescrição aceito pela doutrina civilista clássica não pode ser aplicado de forma integral, quando se tratar de direito ambiental, que por conta de suas particularidades e importância metaindividual e intergeracional deve ter proteção jurídica mais abrangente.

Nesse sentido, quando há o dano ambiental, entendido por  Édis Milaré como "a lesão aos recursos ambientais, com conseqüente degradação – alteração adversa ou in pejus – do equilíbrio ecológico e da qualidade de vida" (Direito do ambiente. SP: RT), a responsabilidade subjetiva será substituída pela objetiva, tendo como fundamento o risco da atividade.
 

A IMPRESCRITIBILIDADE E O DANO AMBIENTAL
Podemos afirmar, portanto, que as regras prescricionais, quando se tratar de responsabilidade pelo  dano ambiental, também devem ser vistas de forma diferente das implementadas pela doutrina civilista, permitindo a sua imprescritibilidade, uma vez tratar-se de direitos constitucionalmente previstos (art. 225 da CF),  de amplitude incomensurável e não restritos apenas no âmbito da presente geração, mas que alcançam infindávelmente também as futuras.

Trata-se de bem essencial, como denuncia o art. 225, caput, da Constituição Federal, de modo a ser inconcebível a existência digna de um indivíduo (art. 1°, III, CF), se não tiver ao seu alcance um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado.

Dessarte, dada a natureza jurídica do meio ambiente, bem como o seu caráter de essencialidade, as ações coletivas destinadas à sua tutela são imprescritíveis.” (Fiorillo, Celso Antônio Pacheco. Direito Ambiental. SP: Saraiva).

É esse também o entendimento esposado pelo  STJ:

"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. ART. 535 DO CPC. OMISSÕES. AUSÊNCIA. MEIO AMBIENTE. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. PRESCRIÇÃO. ARESTO RECORRIDO. FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INEXISTÊNCIA. SÚMULA 126⁄STJ.
1. Todas as questões suscitadas pela parte foram apreciadas pelo acórdão recorrido que concluiu pela inexistência de autorização ambiental para a construção do restaurante em área de preservação permanente, bem como que seriam inócuas as alegações de que à época da construção do restaurante, há mais de 25 anos, já inexistia vegetação natural, o que não caracteriza a suposta contrariedade ao artigo 535 do CPC.
2. O aresto impugnado perfilha o mesmo entendimento desta Corte, o qual considera que as infrações ao meio ambiente são de caráter continuado e que as ações de pretensão de cessação de danos ambientais é imprescritível. Precedentes.
3. O Tribunal a quo entendeu razoável a demolição do imóvel situado na Praia de Taquaras com base em dispositivos da Constituição da República – arts. 216, 225 e 170, incisos III e VI, bem assim após minuciosa ponderação dos princípios e postulados constitucionais abrangidos na lide – direito à moradia e ao meio ambiente, função social da propriedade e precaução. No entanto, não se constata a interposição do competente recurso extraordinário, impondo a incidência da Súmula 126⁄STJ.
4. Recurso especial conhecido em parte e não provido"
(REsp 1223.092⁄SC, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 6.12.2012, DJe de 4.2.2013.)


"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REPARAÇÃO DE DANO AMBIENTAL. IMPRESCRITIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. ANÁLISE DE MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA POR ESTA CORTE SEM PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
1. O acórdão recorrido, que julgou o agravo de instrumento do recorrente, tratou exclusivamente da prescrição. Mesmo questões de ordem pública (legitimidade passiva) não podem ser analisadas em Recurso Especial se ausente o requisito do prequestionamento. Precedentes do STJ.
2. É cediço que o juiz não fica obrigado a manifestar-se sobre todas as alegações das partes, nem a ater-se aos fundamentos indicados por elas, ou a responder, um a um, a todos os seus argumentos, quando já encontrou motivo suficiente para fundamentar a decisão, o que de fato ocorreu. Não violação do art. 535 do CPC.
3. O Tribunal a quo entendeu que: "Não se pode aplicar entendimento adotado em ação de direitos patrimoniais em ação que visa à proteção do meio ambiente, cujos efeitos danosos se perpetuam no tempo, atingindo às gerações presentes e futuras." Esta Corte tem entendimento no mesmo sentido, de que, tratando-se de direito difuso - proteção ao meio ambiente -, a ação de reparação é imprescritível. Precedentes.
Agravo regimental improvido"
(AgRg no REsp 1150479⁄RS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 4.10.2011, DJe de 14.10.2011.)

"ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL - DIREITO AMBIENTAL-  AÇÃO CIVIL PÚBLICA – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL – IMPRESCRITIBILIDADE DA REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL – PEDIDO GENÉRICO – ARBITRAMENTO DO QUANTUM DEBEATUR NA SENTENÇA: REVISÃO, POSSIBILIDADE - SÚMULAS 284⁄STF E 7⁄STJ.
[...]
3. Reparação pelos danos materiais e morais, consubstanciados na extração ilegal de madeira da área indígena.
4. O dano ambiental além de atingir de imediato o bem jurídico que lhe está próximo, a comunidade indígena, também atinge a todos os integrantes do Estado, espraiando-se para toda a comunidade local, não indígena e para futuras gerações pela irreversibilidade do mal ocasionado.
5. Tratando-se de direito difuso, a reparação civil assume grande amplitude, com profundas implicações na espécie de responsabilidade do degradador que é objetiva, fundada no simples risco ou no simples fato da atividade danosa, independentemente da culpa do agente causador do dano.
6. O direito ao pedido de reparação de danos ambientais, dentro da logicidade hermenêutica, está protegido pelo manto da imprescritibilidade, por se tratar de direito inerente à vida, fundamental e essencial à afirmação dos povos, independentemente de não estar expresso em texto legal.
7. Em matéria de prescrição cumpre distinguir qual o bem jurídico tutelado: se eminentemente privado seguem-se os prazos normais das ações indenizatórias; se o bem jurídico é indisponível, fundamental, antecedendo a todos os demais direitos, pois sem ele não há vida, nem saúde, nem trabalho, nem lazer , considera-se imprescritível o direito à reparação.
8. O dano ambiental inclui-se dentre os direitos indisponíveis e como tal está dentre os poucos acobertados pelo manto da imprescritibilidade a ação que visa reparar o dano ambiental.
9. Quando o pedido é genérico, pode o magistrado determinar, desde já, o montante da reparação, havendo elementos suficientes nos autos. Precedentes do STJ.
[...]
11. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido"
(REsp 1120117⁄AC, Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 10.11.2009, DJe de 19.11.2009).



CONCLUSÃO

      Assim, resta concluir que no Direito brasileiro,  a regra é a de que todas as ações prescrevem (art.189 do Código Civil), e que o seu afastamento poderá ocorrer, conforme aponta Agnelo Amorim Filho, nas chamadas ações constitutivas.
    Entretanto, quando o pedido de reparação for referente a danos ambientais, este também deverá ser protegido pela imprescritibilidade, visto tratar-se de direito inerente à vida, fundamental e essencial ao ser humano, logo, amplamente protegido e expandido.

Grande abraço

JOSÉ ROBERTO SANCHES

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