Os Autos de Infração Ambiental elaborados contra aqueles que foram surpreendidos com animais, anteriormente ameaçados de extinção e hoje não mais constantes do Decreto Estadual Paulista nº 60.133/14, deverão ser mantidos, ou serão cancelados? Acerca do tema, existem duas correntes: a primeira, que entende que as normas administrativas, mesmo que mais benéficas, não podem retroagir; e a segunda, que aponta para a extensão do princípio da retroatividade da norma penal mais benéfica (vide "post" de 19/02/14), para o Direito Administrativo. Conforme a primeira corrente, o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica (art. 5º, XL, Constituição Federal e art. 2º, parágrafo único, do Código Penal) aplica-se apenas ao Direito Penal, que possui bem jurídico distinto do direito administrativo e não deve ter sua interpretação ampliada, uma vez que, não aplicar a penalidade administrativa àqueles que praticaram conduta proibida, sob a égide da lei anterior, significa premiá-los com uma omissão estatal, que iria na contramão do pretendido caráter pedagógico e preventivo da sanção administrativa. (OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. São Paulo: RT, 2000. p.277-278). No mesmo sentido, Rafael Munhoz de Mello: “A regra é a irretroatividade das normas jurídicas, sendo certo que as leis são editadas para regular situações futuras. O dispositivo constitucional que estabelece a retroatividade da lei penal mais benéfica funda-se em peculiaridades únicas do direto penal, inexistentes no direito administrativo sancionador. (MELLO, Rafael Munhoz. Princípios Constitucionais de Direito Administrativo Sancionador. São Paulo: Malheiros Editores, 2007. p.155). No STJ também há decisões nesse sentido: “(...)6. A diferença ontológica entre a sanção administrativa e a penal permite a transpor com reservas o princípio da retroatividade. Conforme pondera Fábio Medina Osório, "se no Brasil não há dúvidas quanto à retroatividade das normas penais mais benéficas, parece-me prudente sustentar que o Direito Administrativo Sancionador, nesse ponto, não se equipara ao direito criminal, dado seu maior dinamismo"... (RMS 33.484/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/06/2013, DJe 01/08/2013). “Inaplicável a disciplina jurídica do Código Tributário Nacional, referente à retroatividade de lei mais benéfica (art. 106 do CTN), às multas de natureza administrativa... (REsp nº 1.176.900 - SP (2010⁄0013440-0). Rel. Ministra ELIANA CALMON. 2ª Turma. DJe de 02/05/2010). Em que pesem os bons argumentos propalados pelos adeptos da primeira corrente; em sentido oposto, necessário reconhecer que não há norma expressa na Constituição, nem em lei ordinária, proibindo a eficácia retroativa de suas normas jurídicas mais benéficas e isto já pode ser argumentado em favor de sua aplicação, pois o processo hermenêutico pode e deve ser conduzido para além dos limites desse procedimento interpretativo, lastreado no princípio da isonomia, vez que guardam estreita semelhança, quanto à sua natureza, com as normas do Direito Penal. O Superior Tribunal de Justiça se manisfestou nesse sentido no Recurso Especial 542766/RS, publicado no DJU 21.03.2006, p. 111 (Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS). Encontramos decisões consonantes em Tribunais de Justiça, v.g., no de Minas Gerais: "EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. RETROATIVIDADE BENÉFICA. POSSIBILIDADE. Com a superveniência de legislação AMBIENTAL, qual seja a LEI 14.302/2002, que leva à aplicação de MULTA administrativa menos onerosa, correta a RETROATIVIDADE benéfica da LEI, de modo a favorecer o executado." (TJMG: Ap. Cív. nº 1.0002.04.910517-0/001, 5ª Câm. Cív., relª Desª Maria Elza, v.u., DJ de 26/10/2004). "EMENTA: Administrativo. AMBIENTAL. INFRAÇÃO. LEI mais benéfica. RETROATIVIDADE. Art. 106 do CTN. LEI Estadual 10.561 de 1991. Revogação. LEI Estadual 14.309 de 2002. Auto infracional. Anulação. A LEI mais benéfica em infrações ambientais retroage, nos moldes do art. 106 do CTN. No presente caso, a LEIEstadual 14309 de 2002 revogou expressamente a LEI Estadual 10561 de 1991, que embasa o auto infracional, devendo o mesmo ser anulado." (TJMG: Ap. Cív. nº 1.0024.04.193876-2/001, 3ª Câm. Cív., Av. Afonso Pena, nº 1.901, 3º andar, Bairro Funcionários - CEP 30.130-004 – Belo Horizonte/MG 9 ESTADO DE MINAS GERAIS ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO rel. Des. Manuel Saramago, DJ de 20/04/2007). Conclusão: O tema ainda não se encontra totalmente pacificado na jurisprudência, havendo decisões em ambos sentidos e a doutrina pátria pouco informa sobre ele. Assim,é possível supor que a Administração Pública firmará posição pela irretroatividade do Decreto 60.133/14, não permitindo a anulação dos Autos de Infração elaborados ou majorados por animais anteriormente constantes na lista dos ameaçados de extinção. Por óbvio, em sentido inverso, posicionar-se-ão os autuados em seus recursos e ações judiciais anulatórias.