quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

(NÃO) ANULAÇÃO DOS AUTOS DE INFRAÇÃO AMBIENTAL POR ANIMAL EM EXTINÇÃO

Os Autos de Infração Ambiental elaborados contra aqueles que foram surpreendidos com animais, anteriormente ameaçados de extinção e hoje não mais constantes do Decreto Estadual Paulista nº 60.133/14, deverão ser mantidos, ou serão cancelados? Acerca do tema, existem duas correntes: a primeira, que entende que as normas administrativas, mesmo que mais benéficas, não podem retroagir; e a segunda, que aponta para a extensão do princípio da retroatividade da norma penal mais benéfica (vide "post" de 19/02/14), para o Direito Administrativo. Conforme a primeira corrente, o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica (art. 5º, XL, Constituição Federal e art. 2º, parágrafo único, do Código Penal) aplica-se apenas ao Direito Penal, que possui bem jurídico distinto do direito administrativo e não deve ter sua interpretação ampliada, uma vez que, não aplicar a penalidade administrativa àqueles que praticaram conduta proibida, sob a égide da lei anterior, significa premiá-los com uma omissão estatal, que iria na contramão do pretendido caráter pedagógico e preventivo da sanção administrativa. (OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. São Paulo: RT, 2000. p.277-278). No mesmo sentido, Rafael Munhoz de Mello: “A regra é a irretroatividade das normas jurídicas, sendo certo que as leis são editadas para regular situações futuras. O dispositivo constitucional que estabelece a retroatividade da lei penal mais benéfica funda-se em peculiaridades únicas do direto penal, inexistentes no direito administrativo sancionador. (MELLO, Rafael Munhoz. Princípios Constitucionais de Direito Administrativo Sancionador. São Paulo: Malheiros Editores, 2007. p.155). No STJ também há decisões nesse sentido: “(...)6. A diferença ontológica entre a sanção administrativa e a penal permite a transpor com reservas o princípio da retroatividade. Conforme pondera Fábio Medina Osório, "se no Brasil não há dúvidas quanto à retroatividade das normas penais mais benéficas, parece-me prudente sustentar que o Direito Administrativo Sancionador, nesse ponto, não se equipara ao direito criminal, dado seu maior dinamismo"... (RMS 33.484/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/06/2013, DJe 01/08/2013). “Inaplicável a disciplina jurídica do Código Tributário Nacional, referente à retroatividade de lei mais benéfica (art. 106 do CTN), às multas de natureza administrativa... (REsp nº 1.176.900 - SP (2010⁄0013440-0). Rel. Ministra ELIANA CALMON. 2ª Turma. DJe de 02/05/2010). Em que pesem os bons argumentos propalados pelos adeptos da primeira corrente; em sentido oposto, necessário reconhecer que não há norma expressa na Constituição, nem em lei ordinária, proibindo a eficácia retroativa de suas normas jurídicas mais benéficas e isto já pode ser argumentado em favor de sua aplicação, pois o processo hermenêutico pode e deve ser conduzido para além dos limites desse procedimento interpretativo, lastreado no princípio da isonomia, vez que guardam estreita semelhança, quanto à sua natureza, com as normas do Direito Penal. O Superior Tribunal de Justiça se manisfestou nesse sentido no Recurso Especial 542766/RS, publicado no DJU 21.03.2006, p. 111 (Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS). Encontramos decisões consonantes em Tribunais de Justiça, v.g., no de Minas Gerais: "EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. RETROATIVIDADE BENÉFICA. POSSIBILIDADE. Com a superveniência de legislação AMBIENTAL, qual seja a LEI 14.302/2002, que leva à aplicação de MULTA administrativa menos onerosa, correta a RETROATIVIDADE benéfica da LEI, de modo a favorecer o executado." (TJMG: Ap. Cív. nº 1.0002.04.910517-0/001, 5ª Câm. Cív., relª Desª Maria Elza, v.u., DJ de 26/10/2004). "EMENTA: Administrativo. AMBIENTAL. INFRAÇÃO. LEI mais benéfica. RETROATIVIDADE. Art. 106 do CTN. LEI Estadual 10.561 de 1991. Revogação. LEI Estadual 14.309 de 2002. Auto infracional. Anulação. A LEI mais benéfica em infrações ambientais retroage, nos moldes do art. 106 do CTN. No presente caso, a LEIEstadual 14309 de 2002 revogou expressamente a LEI Estadual 10561 de 1991, que embasa o auto infracional, devendo o mesmo ser anulado." (TJMG: Ap. Cív. nº 1.0024.04.193876-2/001, 3ª Câm. Cív., Av. Afonso Pena, nº 1.901, 3º andar, Bairro Funcionários - CEP 30.130-004 – Belo Horizonte/MG 9 ESTADO DE MINAS GERAIS ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO rel. Des. Manuel Saramago, DJ de 20/04/2007). Conclusão: O tema ainda não se encontra totalmente pacificado na jurisprudência, havendo decisões em ambos sentidos e a doutrina pátria pouco informa sobre ele. Assim,é possível supor que a Administração Pública firmará posição pela irretroatividade do Decreto 60.133/14, não permitindo a anulação dos Autos de Infração elaborados ou majorados por animais anteriormente constantes na lista dos ameaçados de extinção. Por óbvio, em sentido inverso, posicionar-se-ão os autuados em seus recursos e ações judiciais anulatórias.