A 2ª turma do Superior Tribunal de
Justiça – STJ, em votação unânime, publicada em 17 de novembro de 2014, ratificou
o entendimento de que a ação de reparação de dano
ambiental imprescritível (AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº
1.421.163-SP(2013⁄0265458-3).
A PRESCRIÇÃO
O termo prescrição vem da palavra
latina praescriptio, derivada do verbo praescribere,
que significa "escrever antes", remontando às ações temporárias do
direito romano.
É clássica a definição elaborada
por Clóvis Bevilácqua, em sua obra "Teoria Geral do Direito Civil": a
“Prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua
capacidade defensiva, em conseqüência do não-uso delas, durante um determinado
espaço de tempo.”
Outro jurista que definiu o
instituto foi foi Caio Mário da Silva Pereira, em "Instituições de
Direito Civil. Vol 01: “prescrição é o modo pelo qual se extingue um direito
(não apenas a ação) pela inércia do titular durante certo lapso de tempo.”
Nas definições acima, verificava-se uma notória
controvérsia, se a prescrição ocorre sobre o direito ou sobre a
ação.
Após 2002, tal dúvida
foi amainada pelo Código Civil, que prevê no artigo art. 189,
que “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a
qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts.
205 e 206.”. Entendeu o legislador, sem vacilar, que a
prescrição fulmina a pretensão e não o direito em si.
Superada a controvérsia sobre o que a
prescrição extingue, avancemos para analisar a possibilidade de haver ações
imprescritíveis.
O CRITÉRIO CIENTÍFICO
DIFERENCIADOR
Sobre o tema, em 1.961, Agnelo Amorim
Filho, estabeleceu critérios científicos e detalhados para
diferenciar as ações prescritíveis das imprescritíveis(disponível aqui).
Valendo-se das lições de
Chiovenda, o citado autor, estebeleceu a seguinte classificação:
1ª) - Ações sujeitas à
prescrição (perta da pretensão): todas as ações condenatórias, e
somente elas.
2ª) Ações sujeitas à decadência
(perda do direito): as ações constitutivas que têm prazo especial de exercício fixado
em lei.
3ª) - Ações imprescritíveis
(perpétuas):
a) as ações constitutivas
que não têm prazo especial de exercício fixado em lei;
b) todas as ações
declaratórias.
O entendimento sobre a prescrição
aceito pela doutrina civilista clássica não pode ser aplicado de forma
integral, quando se tratar de direito ambiental, que por conta de suas
particularidades e importância metaindividual e intergeracional deve ter proteção
jurídica mais abrangente.
Nesse sentido, quando há o dano
ambiental, entendido por Édis Milaré como "a lesão aos
recursos ambientais, com conseqüente degradação – alteração adversa ou in pejus
– do equilíbrio ecológico e da qualidade de vida" (Direito do ambiente.
SP: RT), a responsabilidade subjetiva será substituída pela objetiva,
tendo como fundamento o risco da atividade.
A IMPRESCRITIBILIDADE
E O DANO AMBIENTAL
Podemos afirmar, portanto, que as
regras prescricionais, quando se tratar de responsabilidade pelo dano
ambiental, também devem ser vistas de forma diferente das implementadas pela
doutrina civilista, permitindo a sua imprescritibilidade, uma vez tratar-se de
direitos constitucionalmente previstos (art. 225 da CF), de
amplitude incomensurável e não restritos apenas no âmbito da presente geração,
mas que alcançam infindávelmente também as futuras.
Trata-se de bem essencial, como
denuncia o art. 225, caput, da Constituição Federal, de modo a ser inconcebível
a existência digna de um indivíduo (art. 1°, III, CF), se não tiver ao seu
alcance um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado.
Dessarte, dada a natureza jurídica do
meio ambiente, bem como o seu caráter de essencialidade, as ações coletivas
destinadas à sua tutela são imprescritíveis.” (Fiorillo, Celso Antônio Pacheco. Direito
Ambiental. SP: Saraiva).
É esse também o entendimento esposado
pelo STJ:
"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL
CIVIL. ART. 535 DO CPC. OMISSÕES. AUSÊNCIA. MEIO AMBIENTE. ÁREA DE PRESERVAÇÃO
PERMANENTE. PRESCRIÇÃO. ARESTO RECORRIDO. FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. INEXISTÊNCIA. SÚMULA 126⁄STJ.
1. Todas as questões suscitadas pela
parte foram apreciadas pelo acórdão recorrido que concluiu pela inexistência de
autorização ambiental para a construção do restaurante em área de preservação
permanente, bem como que seriam inócuas as alegações de que à época da
construção do restaurante, há mais de 25 anos, já inexistia vegetação natural,
o que não caracteriza a suposta contrariedade ao artigo 535 do CPC.
2. O aresto impugnado perfilha o mesmo
entendimento desta Corte, o qual considera que as infrações ao meio
ambiente são de caráter continuado e que as ações de pretensão de cessação de
danos ambientais é imprescritível. Precedentes.
3. O Tribunal a quo entendeu razoável a
demolição do imóvel situado na Praia de Taquaras com base em dispositivos da
Constituição da República – arts. 216, 225 e 170, incisos III e VI, bem assim
após minuciosa ponderação dos princípios e postulados constitucionais
abrangidos na lide – direito à moradia e ao meio ambiente, função social da
propriedade e precaução. No entanto, não se constata a interposição do
competente recurso extraordinário, impondo a incidência da Súmula 126⁄STJ.
4. Recurso especial conhecido em parte
e não provido"
(REsp 1223.092⁄SC, Rel. Min. Castro
Meira, Segunda Turma, julgado em 6.12.2012, DJe de 4.2.2013.)
"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. REPARAÇÃO DE DANO AMBIENTAL. IMPRESCRITIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 535
DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. ANÁLISE DE
MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA POR ESTA CORTE SEM PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.
PRECEDENTES.
1. O acórdão recorrido, que julgou o
agravo de instrumento do recorrente, tratou exclusivamente da prescrição. Mesmo
questões de ordem pública (legitimidade passiva) não podem ser analisadas em
Recurso Especial se ausente o requisito do prequestionamento. Precedentes do
STJ.
2. É cediço que o juiz não fica
obrigado a manifestar-se sobre todas as alegações das partes, nem a ater-se aos
fundamentos indicados por elas, ou a responder, um a um, a todos os seus
argumentos, quando já encontrou motivo suficiente para fundamentar a decisão, o
que de fato ocorreu. Não violação do art. 535 do CPC.
3. O Tribunal a quo entendeu que:
"Não se pode aplicar entendimento adotado em ação de direitos patrimoniais
em ação que visa à proteção do meio ambiente, cujos efeitos danosos se
perpetuam no tempo, atingindo às gerações presentes e futuras." Esta
Corte tem entendimento no mesmo sentido, de que, tratando-se de direito difuso
- proteção ao meio ambiente -, a ação de reparação é imprescritível. Precedentes.
Agravo regimental improvido"
(AgRg no REsp 1150479⁄RS, Rel. Min.
Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 4.10.2011, DJe de 14.10.2011.)
"ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL - DIREITO
AMBIENTAL- AÇÃO CIVIL PÚBLICA – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL –
IMPRESCRITIBILIDADE DA REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL – PEDIDO GENÉRICO –
ARBITRAMENTO DO QUANTUM DEBEATUR NA SENTENÇA: REVISÃO, POSSIBILIDADE - SÚMULAS
284⁄STF E 7⁄STJ.
[...]
3. Reparação pelos danos materiais e
morais, consubstanciados na extração ilegal de madeira da área indígena.
4. O dano ambiental além de atingir de
imediato o bem jurídico que lhe está próximo, a comunidade indígena, também
atinge a todos os integrantes do Estado, espraiando-se para toda a comunidade
local, não indígena e para futuras gerações pela irreversibilidade do mal
ocasionado.
5. Tratando-se de direito difuso, a
reparação civil assume grande amplitude, com profundas implicações na espécie
de responsabilidade do degradador que é objetiva, fundada no simples risco ou
no simples fato da atividade danosa, independentemente da culpa do agente
causador do dano.
6. O direito ao pedido de reparação de
danos ambientais, dentro da logicidade hermenêutica, está protegido pelo manto
da imprescritibilidade, por se tratar de direito inerente à vida, fundamental e
essencial à afirmação dos povos, independentemente de não estar expresso em
texto legal.
7. Em matéria de prescrição cumpre
distinguir qual o bem jurídico tutelado: se eminentemente privado seguem-se os
prazos normais das ações indenizatórias; se o bem jurídico é
indisponível, fundamental, antecedendo a todos os demais direitos, pois sem ele
não há vida, nem saúde, nem trabalho, nem lazer , considera-se imprescritível o
direito à reparação.
8. O dano ambiental inclui-se
dentre os direitos indisponíveis e como tal está dentre os poucos acobertados
pelo manto da imprescritibilidade a ação que visa reparar o dano ambiental.
9. Quando o pedido é genérico, pode o
magistrado determinar, desde já, o montante da reparação, havendo elementos suficientes
nos autos. Precedentes do STJ.
[...]
11. Recurso especial parcialmente
conhecido e não provido"
(REsp 1120117⁄AC, Ministra Eliana
Calmon, Segunda Turma, julgado em 10.11.2009, DJe de 19.11.2009).
CONCLUSÃO
Assim,
resta concluir que no Direito brasileiro, a regra é a de que todas
as ações prescrevem (art.189 do Código Civil), e que o seu afastamento poderá
ocorrer, conforme aponta Agnelo Amorim Filho, nas chamadas ações
constitutivas.
Entretanto,
quando o pedido de reparação for referente a danos ambientais, este
também deverá ser protegido pela imprescritibilidade, visto tratar-se de
direito inerente à vida, fundamental e essencial ao ser humano, logo,
amplamente protegido e expandido.
Grande abraço
JOSÉ ROBERTO SANCHES
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