Certamente você já ouviu falar
sobre a possibilidade de imputação penal da pessoa jurídica nos delitos contra
o meio ambiente.
E até já deve ter pensado que parece meio ilógico e difícil de compreender uma empresa praticando um crime.
Como aferir a "vontade" da empresa?
Seria útil essa penalização ? Afinal, não se pode “prender” uma
pessoa jurídica.
Apesar de questionável a
utilidade de tal penalização e também das alterações substanciais na teoria do delito,
principalmente acerca da culpabilidade das pessoas jurídicas, deixaremos de lado tais questionamentos, afinal, a determinação legal de tal penalização parte da própria Constituição Federal, que a previu no
artigo 225 § 3º. Assim, a Lei
e doutrina que se adaptem.
Nesse contexto, veio a Lei 9605/98 e no artigo 3º
estabeleceu que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa,
civil e penalmente, nos casos em que a
infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou
de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
E no parágrafo único do mesmo
artigo 3º, complementou: “a responsabilidade das
pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou
partícipes do mesmo fato”.
Daí surge a dúvida: A Pessoa jurídica deverá ser
responsabilizada conjuntamente com a pessoa física, ou seriam possíveis apenações
diferenciadas?
A Quinta Turma do Superior
Tribunal de Justiça, especializada em matéria penal, estabeleceu nos últimos
anos uma linha jurisprudencial clara acerca do assunto.
No entendimento de tal órgão
julgador, a responsabilização penal da pessoa jurídica por crime ambiental acompanha a imputação de uma ou mais
pessoas físicas que, supostamente, conduziram a empresa ao cometimento do
delito ou, sabendo de tal condução, e em poder de fazê-lo, não impediu a
prática tipificada, conforme a Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal Nº
9.605/1998).
Nas palavras do Ministro Jorge
Muzzi, “pessoa jurídica, a qual, por se tratar de sujeito de direitos e
obrigações, e por não deter vontade própria, atua sempre por representação de
uma ou mais pessoas naturais.” (STJ HC
217.229 RS).
A responsabilização penal de
gestores em concurso com a PJ depende de comprovação do nexo causal entre a
conduta destes – ativa ou omissiva – e o dano ambiental, sob o risco de
admitir-se a responsabilização penal objetiva, ou seja, a imputação criminal de
pessoa física ainda que na ausência de dolo ou culpa, em clara violação ao Art.
5º, XXXIX da CF/88.
Conforme a Ministra Laurita Vaz,“O simples
fato de a Recorrente (pessoa física) figurar como sócia-gerente de uma pessoa
jurídica não autoriza a instauração de processo criminal por crime contra o
meio ambiente, se não restar minimamente comprovado o vínculo com a conduta
criminosa, sob pena de se reconhecer impropriamente a responsabilidade penal
objetiva”. (STJ RHC 34957
/ PA).
Nesse sentido, o Tribunal de
Justiça do Acre, no Habeas Corpus para trancamento de ação
penal nº 0002184-40.2015.814.0000, arquivou, sob o fundamento de
constrangimento ilegal por de falta de justa causa no prosseguimento da ação
penal, um processo contra pessoa física, proprietário de empresa
causadora de dano ambiental.
Em março de 2015, o Ministério
Público do Acre denunciou Alzete Empreendimento Imobiliário Ltda e seu proprietário,
Gisandro Gil, por despejo irregular de resíduos sólidos em área de proteção
ambiental.
O Tribunal arquivou o processo contra Gilsandro, visto não ter restado
cabalmente demonstrada a sua influência na consumação do delito.
Em tal julgamento o TJ/AC, concluiu que:
1 – É cediço na jurisprudência
pátria que a simples condição de sócio/administrador de determinada pessoa
jurídica não é suficiente para justificar a deflagração de uma ação penal, pois
o Direito Penal pátrio repele a chamada responsabilidade penal objetiva;
2 – Nos termos do artigo 41 do
Código de Processo Penal, a denúncia deve descrever perfeitamente a conduta
típica e demonstrar uma mínima relação de causa e efeito entre a conduta do
paciente e os fatos narrados na denúncia, permitindo ao denunciado o exercício
da ampla defesa e do contraditório;
3 - A imputação, da forma como foi feita,
representa a imposição de indevido ônus do processo ao paciente, à vista da
ausência da descrição de todos os elementos necessários à responsabilização
penal pelo crime previsto no art. 54, caput da Lei nº 9.605/98;
4 - Ordem de habeas corpus
concedida para trancar a ação penal apenas em relação ao paciente em face do
reconhecimento da inépcia da denúncia, sem prejuízo de que outra seja
oferecida, desde que preenchidas as exigências legais.
Vê-se que o entendimento do STJ permanece
majoritário na jurisprudência brasileira e podemos afirmar que também assim é na doutrina pátria.
Ocorre, porém, que não ganhou ainda dimensão uma decisão do Supremo Tribunal Federal – STF,
de 30 de outubro de 2014, da PJ figurar sozinha no polo passivo da ação penal.
Trata-se do RE 548.181, onde a Corte constitucional rompeu
a linha jurisprudencial majoritária.
Em decorrência de vazamento de
óleo, fora movida ação penal contra a Petrobrás S/A, seu presidente à época –
Henri Philippe Reichstul – e o superintendente da unidade subsidiária na qual
ocorreu o acidente, Luiz Eduardo Valente Moreira, por prática poluição omissiva
imprópria culposa, em tipo previsto na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº
9605/1998).
Durante o trâmite no TRF-4,
o ex-presidente conseguiu Habeas Corpus (STF HC 83.554-6 PR) em seu
favor, sendo determinada sua exclusão do polo passivo por ausência de
comprovação de que sua conduta, enquanto dirigente, houvesse levado ao
acidente.
O caso chegou ao STJ, onde
foi concedido HC ao ex-superintendente sob a mesma tese.
Com a
exclusão dos dois funcionários, o STJ determinou o trancamento da
ação penal com base na jurisprudência da casa, alegando ser imprescindível o
condicionamento de ação penal contra a pessoa jurídica à persecução simultânea
contra pessoa física.
O caso foi para o Supremo Tribunal Federal que, em julgamento de Recurso Extraordinário, a Primeira Turma, pelo placar de 3 X 2,
decidiu pela não prescrição de ação penal, permitindo que a Petrobrás S/A
figurasse sozinha no polo passivo da ação.
A relatora, Ministra Rosa Weber,
argumentou que “as organizações corporativas complexas da atualidade se
caracterizam pela descentralização e distribuição de atribuições e
responsabilidades, sendo inerentes, a esta realidade, as dificuldades para
imputar o fato ilícito a uma pessoa concreta.”
No seu entendimento, a aplicação
do art. 225, §3º da CF/88 não deve ser restrito às pessoas físicas, sob pena
de permitir a impunidade dos crimes cometidos por grandes corporações, nas
quais estão diluídas as competências e processos decisórios de modo que, em
determinadas situações, é verdadeiramente impossível que se aponte um único
agente a ser penalmente responsabilizado.
Nos termos da relatora, “em não
raras oportunidades, as responsabilidades internas pelo fato estarão diluídas
ou parcializadas de tal modo que não permitirão a imputação de responsabilidade
penal individual”.
Conclusão:
- A Jurisprudência majoritária nos Tribunais de Justiça do Brasil, bem como no Superior Tribunal de Justiça – STJ, é de que a responsabilização penal da pessoa jurídica por crime ambiental deve, necessariamente, acompanhar a imputação da pessoa física que, supostamente, conduziu a empresa ao cometimento do delito ou, sabendo de tal condução, e em poder de fazê-lo, não impediu a prática do ato criminoso.
- Já para o Supremo Tribunal Federal – STF, em decisão isolada (e divergente), a pessoa jurídica pode, sozinha, figurar como autora de crime ambiental.
Pelo visto, a dúvida ainda
persiste, vejamos o que o futuro nos reserva...
Grande abraço,
JOSÉ ROBERTO SANCHES
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